se essa rua, se essa rua fosse minha

Quente, acolhedora e festiva, Cuiabá já não é mais uma garotinha, celebra em 8 de abril de 2022, 303 anos de muita história e tradição. A 20ª capital mais populosa do país ocupa hoje a 92ª posição entre os 5.565 municípios brasileiros, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e carrega características de uma metrópole complexa.

Atualmente com pouco mais de 600 mil habitantes, suas ruas e avenidas movimentadas apresentam sintomas de uma capital do século XXI, com trânsito carregado e confuso. Mas nem sempre foi assim. A pacata Cuiabá Colonial era muito mais simples, claro, a julgar pelas suas poucas ruas onde trafegavam pedestres, cavalos e carroças. Com o tempo, as vias foram modernizadas e ganharam novos nomes, mas mantiveram suas histórias graças a importantes guardiões da memória.

Mas será que você saberia dizer quais são os nomes originais de algumas das principais vias de nosso Centro Histórico? E quais histórias fantásticas elas carregam? Com a ajuda do professor Aníbal Alencastro, garimpamos algumas curiosidades que deram a nossa malha urbana um rico arcabouço histórico, repleto de causos e mistérios.

Rua de Cima

Provavelmente você já passou por lá. A famosa Rua de Cima, da Cuiabá Colonial, abrigava as melhores casas da província. Talvez por ostentar o privilégio de se situar no ponto mais alto, em relação as outras ruas da época, lá foram construídas casas e sobrados imponentes, assumindo assim sua panca aristocrata, trocando o nome para Rua Augusta.

Mas também já foi chamada de Rua das Trepadeiras, por causa das plantas ornamentais que enfeitavam muitas residências da época e, mais tarde, Rua Onze de Julho, em alusão ao Combate do Alegre, de 1867.

É de lá o registo do mais importante evento cívico da “Cuiabá de antigamente”, a instalação da Assembleia Legislativa Provincial, no velho Casarão da Rua Augusta, esquina com a travessa da Assembleia, hoje Rua Campo Grande. Já sabe de qual rua estamos falando?

Mais uma dica. Foi lá que em 28 de agosto de 1835, o presidente da província, coronel Antônio Pedro de Alencastro enviou à Assembleia o Decreto de Lei n°16, mudando definitivamente a capital de Vila Bela da Santíssima Trindade para Cuiabá.  “Hoje, a antiga Rua de Cima é conhecida como Rua Pedro Celestino, em reverência ao ilustre farmacêutico que governou o Estado de Mato Grosso entre 1908 e 1922”, destaca o professor Aníbal Alencastro.

Rua de Cima
Rua de Baixo

Na primeira descrição do sítio urbano de Cuiabá, lá em 1723, já constava a Rua de Baixo, originalmente chamada de Rua do Oratório por causa das rezas e orações comuns naquele lugar. Não por acaso, mais tarde, lá foi erguida a Igreja do Senhor dos Passo. Mas nada é tão simples quanto parece.

Foi na Rua de Baixo que surgiram os mais intrigantes causos da província. Aníbal Alencastro conta que, certa vez, um português de nome José Manuel, faleceu de causas naturais e, logo após o velório, voltou dos mortos, como um milagre. “Na verdade, José Manuel sofria de uma estranha doença, catalepsia, que o deixava inerte como morto, após uma crise. O que se conta é que o homem conseguiu acordar e sair da sepultura, logo após seu funeral. Isso causou pânico e terror em todos os moradores, que desconheciam a doença.”

E foi por conta desse “milagre” que o português que voltou do mundo dos mortos mandou edificar, às suas próprias custas, no mesmo local do oratório da Rua de Baixo, a Igreja Nosso Senhor dos Passos.

Igreja essa que guarda muitos mistérios. Foi lá, no século XIX, que surgiu a lenda do Totó Onça, um ermitão que se isolou na torre da igreja, porque carregava uma deficiência física nas costas. Essa história lhe é familiar?

“Totó Onça permanecia quase todo o tempo na torre da igreja, junto aos sinos, os quais ele comandava no momento das horas. Um curioso fato que tinha uma certa semelhança com o famoso romance de Victor Hugo, ‘O Corcunda de Notre Dame’, lembrando a figura do personagem ‘Quasimodo’”, conta.

Hoje, a antiga Rua de Baixo é uma das mais tradicionais da capital. Ela é composta por dois trechos importantes, Rua Galdino Pimentel e Rua Sete de Setembro. Vale ressaltar que Galdino Pimentel foi presidente da província mato-grossense, em 1885 e Sete de Setembro, em referência à independência do Brasil.

Igreja Matriz Catedral Senhor Bom Jesus de Cuiabá.
Rua Bela do Juiz

De tempos em tempos, a Vila Real do Bom Jesus de Cuiabá era visitada por um juiz de fora que vinha de outro condado para julgar casos de homicídio e conflitos sociais. Como autoridade máxima da justiça luso-brasileira, o magistrado hospedava-se na melhor casa daquela ruela, que à época, não tinha um nome definido. Alguns a chamavam de “caminho para o Porto” e outros de “Cruz das Almas”.

Durante uma dessas visitas ao vilarejo, o juiz acabou se apaixonando por uma linda cuiabana, residente na mesma rua em que se hospedara. Acontece que a moça já tinha um pretendente, aí o estrago foi grande. Em resumo, a história virou um escândalo e toda a vila ficou sabendo. O juiz, envergonhado, partiu para nunca mais voltar e a moça ficou conhecida como a bela do juiz. Daí saiu o nome da rua, que nos tempos atuais é conhecida como Treze de Junho, situada no centro antigo de Cuiabá.

A Rua Treze de Junho, que nasce na Praça da República e vai até o bairro do Porto, nas proximidades do Rio Cuiabá, é uma bela homenagem à data que comemora a retomada de Corumbá, em 1867, na época do Mato Grosso Uno, pelo então Coronel Antônio Maria Coelho.

“Até os anos 1960, foi o principal acesso entre a cidade e o porto, antes do aparecimento da Avenida Coronel Duarte. Foi lá que surgiu a primeira linha de bondinhos, em 1891, instalados pela Companhia Progresso, considerados o primeiro transporte coletivo de Cuiabá”, conclui o professor Aníbal.

Rua Bela do Juiz
A principal via do “portal mato-grossense”

O compasso frenético do desenvolvimento e o clima pacato das comunidades à beira do rio seguem em perfeita harmonia. Em abril, Várzea Grande celebra 155 anos de história marcada pela força de um povo aguerrido que trabalha incansavelmente e conserva suas tradições impressas na religiosidade e na cultura popular.

E como cresceu e se desenvolveu. De uma trivial e estratégica passagem de tropeiros na segunda metade do século XIX, à construção do contemporâneo Aeroporto Internacional Marechal Rondon, Várzea Grande mantém o posto de “portal mato-grossense”. Era por Várzea Grande que se chegava à região e ainda hoje é um dos principais pontos de chegada e partida.

E por falar em chegadas e partidas, uma das mais movimentadas e importantes vias comerciais de Várzea Grande, a avenida que recebeu o nome de seu fundador, está localizada no coração comercial da cidade. Trata-se de uma das principais vias de acesso à Várzea Grande. Repleta de lojas, armazéns e pequenas indústrias, a Avenida Couto Magalhães representa bem o potencial comercial da cidade.

Mas foi na década de 1930, que a vocação industrial da segunda maior cidade de Mato Grosso ganhou impulso. E assim, aquela simples região à margem direita do Rio Cuiabá viria a se tornar uma das mais antigas e importantes cidades do Estado, com população estimada pelo IBGE em 2021, de mais de 282 mil habitantes, muitos deles, herdeiros de gerações que ajudaram a construir o município. Parabéns, VG!