É uma das maiores expressões das comidas natalinas. Saiba por que o peru esbanja imponência nas mesas brasileiras 

Apesar de serem marcadas por tradições familiares que podem variar bastante de acordo com a região do país e os costumes dos lares, as ceias de Natal, normalmente, trazem alguns ingredientes básicos que reforçam a ideia de um jantar especial. Rabanada, panetone, frutas secas e, claro, o peru natalino são itens que, raramente, faltam na reunião. São eles que marcam o período do ano, já que não preparamos aqueles pratos em quase nenhuma outra época. E o peru, talvez, seja a maior expressão destas comidas típicas natalinas que vão parar na nossa mesa apenas nas festas de final de ano. 

tradição americana

Mas, por que, afinal, o peru é considerado um dos pratos principais do Natal no Brasil? E por que não o pato, ganso ou qualquer outra ave? A origem da resposta está na tradição de outro país, os Estados Unidos, que consome a ave no feriado de Ação de Graças. 

O peru era uma ave criada pelos índios norte-americanos, que descendem dos Astecas e dos Maias, que sempre serviam peru em oferendas. Em 1518, quando se deu o início do contato entre os índios e espanhóis no processo colonizador do México, o peru foi também descoberto e levado para a Europa, onde era comum o consumo de gansos, cisnes e pavões, as aves nobres. O peru começou, então, a se popularizar na Europa no século XVI, praticamente substituindo o cisne como a ave de Natal usada na Inglaterra, popularizando-se definitivamente.

Sendo a ave natural das florestas da América do Norte e já domesticada, ela era muito consumida pelos povos nativos, sendo considerada até como uma espécie de prêmio entre tribos que conquistavam e dominavam um novo território. Especula-se que a primeira vez que o peru virou um prato comemorativo foi em 1621, na cidade de Plymouth, no estado americano de Massachusetts, quando peregrinos e nativos norte-americanos comemoraram uma grande colheita na época. A ave, robusta e composta por grande quantidade de carne, foi considerada, então, um símbolo de fartura.

A introdução e fixação do peru como prato principal na comemoração do nascimento de Cristo, na Europa e nas Américas, incluindo o Brasil, transformou o ritual do jantar de Natal em ceia. A abundância, e mesmo a extravagância caracterizam a essência do momento da ceia de Natal, pois este ritual passou a ser entendido como expressão simbólica do sucesso frente aos ditames da vida cotidiana.

No sentido da ceia como festa, o prato principal deve ser o assado, pois, segundo Levi-Strauss, de acordo com as nossas convenções, sempre que o menu inclui um prato de carne assada, lhe é conferido um lugar de honra no centro da refeição. Na obra “O Triangulo Culinário”, Strauss revela que do contraste entre os estados assado e cozido emergem características universais.

Em alguns lares, o chefe da família é convocado para trinchar o peru assado e dividi-lo entre os presentes. E, neste ritual, prevalece a hierarquia entre os convidados, bem como as deferências nas ofertas das partes do peru e de outros assados.

Na mesa dos brasileiros

Em nosso país, o peru é apreciado desde a época colonial. Como prato, principalmente na área rural, que é o prodígio da memória gustativa, é considerado o rei das festas, de acordo com Rachel de Queiroz. Conforme a tradição, antes do abate, um tratamento era previamente estabelecido: uma ave nova, no seu tamanho máximo de crescimento, papo amplo, coxa grossa, muita carne de peito e em quantidade suficiente para o número de convidados. Após ser colocada no quintal, era preparado o porre de véspera da ceia de Natal. O seu bico era aberto e despejado dois tragos de pinga goela baixo.

Em meados dos anos 50, a tradição de comidas bem brasileiras foi rompida. Influenciada pela cozinha americana, a nossa ceia de Natal começou a desprezar a farofa, sendo que o peru e o pernil aparecem guarnecidos com frutas frescas, compotas, doces de figos, pêssegos e abacaxis.

No Brasil, ao longo do resto do ano, o peru quase nunca é consumido inteiro, como carne in natura, como é o caso do frango. Aqui, a ave, quase sempre, passa por alguma preparação: ele é vendido como patê ou fatiado, caso do peito de peru defumado, exemplo, e afins. Fora de casa, nos restaurantes, a oferta também é pequena – é difícil encontrar pratos feitos com a ave, que perde na gastronomia para outras iguarias como pato, codorna e até para o raro faisão.