Envolta em simbolismos sobre sorte na virada do ano, a lentilha está presente na dieta da população mundial há milhares de anos
A festa de Réveillon é repleta de superstições para quem acredita ser esse um momento de renovação e de mudança de ciclo. Algumas dessas tradições envolvem atitudes como pular sete ondas, colocar folhas de louro dentro da carteira ou se vestir com uma roupa nova e da cor branca. Mas há, ainda, as crenças com alimentos que, ao serem consumidos, atraem boa sorte – principalmente na parte financeira – para o ano que se inicia.
Uma iguaria famosa por estar na mesa de muitas pessoas durante a passagem de ano é a lentilha. Não apenas no Brasil, mas também em países como Chile, Venezuela e Estados Unidos, acredita-se que o grão deve ser comido na última noite do ano ou ser o primeiro alimento consumido após a virada do relógio, seja puro ou acompanhado de arroz, na salada ou em sopas.
A ideia é atrair fartura e prosperidade para o próximo ano, com muito dinheiro no bolso. O costume teria sido trazido ao Brasil por imigrantes italianos, uma vez que naquele país há um dito popular que simboliza isso: “Lentilha no Ano Novo, dinheiro o ano todo”.
Mas por que se acredita que comer lentilhas é significado de um ano com prosperidade? Há algumas hipóteses. A primeira é devido ao formato do grão, que é achatado e lembra uma moeda. Outra característica da lentilha é que ela se expande durante o cozimento, ou seja, com uma pequena quantidade se faz um prato bem farto.
Há também o fato dela ser mencionada no Antigo Testamento. Segundo o Gênesis, primeiro livro da Bíblia Sagrada, Esaú cedeu a seu irmão Jacó seus direitos como primogênito em troca de um prato de lentilhas.
Origem e tipos de lentilhas
Uma leguminosa com características próximas à ervilha e ao feijão, a lentilha está presente na dieta humana há, pelo menos, 10 mil anos, desde o período Neolítico (Pedra Polida). Com nome originário do latim “lentícula” – diminutivo de lente –, os primeiros registros de sementes de lentilha foram localizados em sítios arqueológicos do Oriente Médio, na região da Síria e do Egito.
O grão foi levado pelo mundo na mala de imigrantes, e sua utilização aconteceu de diversas maneiras, indo além da alimentar. Os egípcios a apreciavam em sopas, enquanto os assírios, segundo documentos, cultivavam-na nos jardins suspensos da Babilônia, no século VIII a.C. Na Grécia, os ricos não reconheciam a lentilha como um alimento de prosperidade, ao contrário da tradição atual, pois era vista como um grão mais consumido pelas classes mais baixas.
Na Europa, durante a Renascença nos séculos XV e XVI, acreditava-se que a lentilha tinha propriedades medicinais e, por isso, era ministrada como remédio para pessoas temperamentais. Com a parte da planta, eram formuladas poções usadas como coagulante nas hemorragias. Já no século XVIII, ela ganha ares sofisticados por meio da culinária francesa, em pratos como o Petit Salé aux Lentilles (Lentilhas com Carne de Porco) .
Nos países do continente americano, o cultivo do grão começou na primeira metade do século passado, principalmente nos Estados Unidos e no Canadá, sendo os dois, aliás, os maiores exportadores do mundo atualmente. Trazida para o Brasil pelos imigrantes europeus, a maior parte das plantações de lentilhas estão na região do Sul do país, onde o clima frio beneficia a produção.
A lentilha castanha (lentilha canadense), de característica achatada e de cor marrom ou verde acinzentada, é a mais comum no Brasil, em países árabes e no Irã, onde é ingrediente essencial de pratos tradicionais como o Adas Polo. Já a chamada lentilha vermelha (lentilha rosa ou laranja), mais arredondada , fina e com sabor mais suave, está presente na gastronomia do Oriente Médio e da Índia, no preparo do curry e no Dahl Palak, que também podem levar a lentilha amarela.
Parecido com um caviar (redonda, pequena, preta e de casca dura), a lentilha negra ou beluga é a mais frequente no Canadá e tem sabor mais forte. De cozimento lento – de 30 a 40 minutos –, ela é muito usada no preparo de saladas. Há ainda as lentilhas gourmet, como a lentilha verde francesa du Puy e a lentilha pardina espanhola de Tierra de de Campos. Essas variedades são protegidas pela Lei de Denominação de Origem, e seus nomes fazem referência às regiões nas quais são cultivadas.