Artista deixa seu legado na arte, com exaltação à cultura e natureza mato-grossense

No mês de agosto, uma desfeita do acaso levou embora Adir Sodré cedo demais. Para quem fica, resta a certeza de que sua arte irreverente e sua personalidade inquieta – ou o contrário, já que obra e autor se confundem o tempo todo – jamais serão esquecidos. Adir Sodré sempre foi celebrado, antes mesmo de sua partida. É natural que, daqui para o futuro, ele seja cada vez mais festejado e sua arte enaltecida ainda mais.

E não por acaso, seus desenhos e pinturas estão muito presentes no cotidiano dos mato-grossenses. As cores vivas, tão receptivas e quentes de sua obra anunciam características de um povo enérgico e caloroso. Talvez por isso, seja possível enxergar Adir Sodré e sua arte vertiginosa para onde quer que se olhe, seja nas paredes de restaurantes tradicionais em Cuiabá, lojas, ônibus, lares, publicações, museus, avenidas, viadutos… até em carros, acredite!

Interessante lembrar o quão generoso era o artista. Dificilmente, alguém ia à casa de Adir Sodré e não era presenteado. Sempre se saia de lá com algo para se lembrar dele. Sejam suas histórias, música, poesia, afeto, um quadro, um cartão-postal, um desenho. Nem que fosse uma intervenção singela, um desenho feito na hora sobre uma página de revista qualquer.

Adir, ou Didi para alguns, era daquelas pessoas que prendiam o olhar. Bem como ocorre com a sua obra, é preciso prestar atenção aos detalhes, sempre tão explícitos e subjetivos ao mesmo tempo. E são tantos detalhes. E tudo está posto de maneira muito direta, mas se você piscar, é tudo tão particular quanto aquele seu sorriso extravagante com a língua esticada até o queixo.

Adir Sodré, nascido em Rondonópolis em 1962, começou a pintar aos 14 anos, em Cuiabá. Não demorou muito para que passasse a frequentar o Ateliê Livre da Universidade Federal de Mato Grosso, de onde saiu toda uma geração de geniais artistas plásticos no final da década de 1970 e início da década seguinte. Um ano após entrar para o Ateliê, Adir já participava de exposições coletivas e integrava, com Gervane de Paula e outros, o grupo renovador da arte mato-grossense.

Em suas redes sociais, Gervane manifestou saudades do amigo e relembrou o início da amizade. “Nossa professora de pintura tinha mais alunos, mas foi com Adir que cultivei uma amizade. Com a sua ausência, a arte fica mais triste, porque ninguém tem o deboche saudável que ele tinha. Cabe a nós, que ainda estamos aqui, preencher esse vazio, que, com certeza, não será uma tarefa fácil, para não dizer impossível.”

Alegre e multicolorida, sua obra expressa, com muita irreverência, traços da cultura mato-grossense e eleva a níveis vertiginosos a exuberante natureza presente no Centro-Oeste do Brasil. Beirando a insolência e sempre tão extrovertido, seu trabalho ficou conhecido aqui e no exterior por sua versatilidade. Como ele mesmo costumava dizer, “eu chupo Matisse, lambo Picasso. Cada exposição individual minha é uma coletiva de artistas”.

Entretanto, é certo dizer que, se Adir era plural em suas temáticas, seu estilo era único. Sua pintura tem personalidade, sua marca é, sim, o deboche, a ironia abusada e frontal. A crítica de arte e animadora cultural Aline Figueiredo escreveu em seu livro “Macp” que a prática pictórica lhe trazia tanta satisfação que poderia dizer, como Botero, o artista figurativista colombiano, que seus quadros estão terminados “quando chegam a um estado comestível, nos quais as coisas se tornam frutas”.