Cuiabá e Várzea Grande se cruzam para além das margens do Rio Cuiabá
A vida para quem mora em uma destas duas cidades é, com certeza, um constante vai e vem sobre o rio Cuiabá. Segundo estimativas feitas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a população de Cuiabá, em 2019, era de pouco mais de 612 mil habitantes, enquanto que, a população da conurbação (a soma com os moradores da cidade vizinha, Várzea Grande) é de quase 1 milhão de habitantes (927 mil).
Para descrever esta ligação que vai muito além da geografia, precisamos entender como surgiram estas cidades que, embora tenham suas próprias delimitações territoriais, são como se fossem irmãs. A mais velha, Cuiabá, capital do estado prestes a completar, neste ano, 302 anos, foi fundada em 1719, pelo bandeirante Pascoal Moreira Cabral, às margens do rio Coxipó. A caçula, Várzea Grande, que completa 154 anos em 2021, surgiu à margem direita do Rio Cuiabá, em 1867.
A corrida pelo ouro no século XVII foi uma variante comum para o crescimento populacional das duas regiões que, hoje, possuem cultura e costumes que se entrelaçam. Claro que, assim como acontece no relacionamento entre irmãs, nem sempre tudo “são flores”. Afinal, quem nunca ouviu um cuiabano dizer que Várzea Grande surgiu como um acampamento de prisioneiros paraguaios? Ou então, na brincadeira fomentada pela rivalidade de irmã, ouviu um várzea-grandense dizer que: “pelo menos a minha cidade tem aeroporto?”. Implicâncias à parte, ambas as afirmações têm como base fatos históricos.
Várzea Grande, por exemplo, fundada em pleno período da Guerra do Paraguai, foi mesmo um acampamento militar para o aprisionamento de cidadãos paraguaios residentes em Cuiabá e imediações. Com o fim do conflito, formou-se o povoado composto por soldados e prisioneiros paraguaios, sendo que, em 4 de julho de 1874, foi inaugurada uma balsa, fazendo a primeira ligação da região à capital. Hoje, 5 pontes – Júlio Muller, Ponte Nova, Juscelino Kubitschek, Sérgio Motta e Mário Andreazza – fazem a ligação entre as cidades pelo Rio Cuiabá.
Sobre o aeroporto, de fato, ele está em território várzea-grandense. O motivo disso é que lá pelos idos de 1942, foi criado, em Cuiabá, o distrito de obras do Ministério da Aeronáutica, e nesta época, um novo aeroporto foi planejado. Várzea Grande foi escolhida para sediar a pista de pousos por possuir melhores condições de operacionalidade que a capital. Em 1949, o terreno foi doado pelo governo estadual ao então Ministério e a pista foi inaugurada em 1956.
Culinária: promovendo encontros
A culinária cuiabana e várzea-grandense, assim como a brasileira, têm suas raízes nas cozinhas indígenas, portuguesa, espanhola e africana. Pratos tradicionais levam ingredientes bastante conhecidos entre a população de ambas as cidades, como a mandioca, a manga e o caju, o charque e os peixes, é claro. Algumas receitas, tendo como base o saboroso peixe pacu, a mojica de pintado, o caldo de piranha, são pratos nascidos nas barrancas do rio Cuiabá e nas baías do Pantanal, incluindo a cidade vizinha.
Uma unanimidade em termos de preferência de sabor tradicional é a famosa “Maria Isabel”, que nada mais é do que o combinado de arroz e charque, prato muito amado da culinária local. Os acompanhamentos de paçoca de pilão, aquela farofinha de banana e, ainda, para completar, de sobremesa, o delicioso furrundú (doce preparado com mamão verde, rapadura e canela). Para os amantes do milho, o pixé é uma boa pedida, capaz de colocar de lado qualquer “rivalidade” entre as cidades vizinhas. Aliás, o pixé, que é um prato elaborado com milho torrado e socado com canela e açúcar, virou até tema de música. Estes ingredientes completariam, com tranquilidade, o cardápio de uma típica mesa cuiabana/várzea-grandense.
Se, por um lado, existem brincadeiras que viraram até mesmo motivo de “memes” nas redes sociais, envolvendo a disputa sobre quem é a “mãe” do aeroporto Cuiabá/Várzea Grande, a “Maria Isabel”, ou “Marizabel”, prato tão amado por todos nós, surge para colocar fim à rivalidade marota entre estas cidades vizinhas. Isso porque relatos históricos dão conta de que foi, justamente, durante a guerra do Brasil, Uruguai e Argentina contra o Paraguai, que esta iguaria foi criada. O motivo é que, neste período, foram suspensas as navegações pelos rios Paraguai, Cuiabá e Paraná. Com isso, a economia ficou parada. O arroz era produzido às margens do Rio Cuiabá e, além disso, a criação de gado já dava seus primeiros passos. Nessa escassez de produtos vindos de outras regiões, foi preciso que a população se unisse e “improvisasse” com os ingredientes disponíveis, surgindo assim, a “Maria Isabel”.
Apesar disso, há, ainda, relatos de pesquisadores que narram uma origem totalmente diferente sobre o “nascimento” desta maravilhosa receita tradicional para cuiabanos e várzea-grandenses. A iguaria teria surgido, na verdade, bem longe daqui, no nordeste brasileiro, mais precisamente no estado do Piauí.
Se em uma guerra existem aliados e inimigos, com toda certeza, na “briga” pela autoria deste prato, as irmãs Cuiabá e Várzea grande lutariam, juntas, para “defender” o legado da nossa tão amada Maria Isabel. Afinal, não importa em qual lado da ponte você esteja: em algum momento do dia, você vai cruzar para o outro.